quinta-feira, 3 de março de 2016

Considerações imperfeitas sobre esse indecifrável sentimento chamado amor


 

“Eu só peço a Deus um pouco de malandragem, pois sou criança e não conheço a verdade; eu sou  poeta e não aprendi a amar”

(Cazuza-Frejat)

 

Amar é colocar nossa felicidade na felicidade do outro. Com essa frase, Gottfried Leibnitz tentou definir o que é amar. Colocando essa frase num estado de pessoalidade, pode ser uma definição correta. “Para mim, amar é colocar minha felicidade...”   Se a pessoa a dizer isso se basear na abnegação e numa grandeza de espírito semi-irracional, ela estará certa. E será feliz assim. Mas se analisarmos o verbo amar de maneira geral, essa afirmação de Leibnitz pode parecer um tanto rasa.

 

Vale dizer que é correto analisar o verbo amar, e não o substantivo amor.  A predominância lingüística é do verbo, pois amor é algo que se sente. E sendo verbo, nós sentimos amor, nós desejamos, buscamos, nós queremos, enlouquecidamente, às vezes, esse sentir incerto e indecifrável.  Não cabe, entretanto definir o que é amar, e sim entender o que sente uma pessoa que está amando. Quem ama, se não for Narciso, ama alguém ou algo. Então, amar não diz respeito somente a nós mesmos, como a dor, a alegria, a depressão. Amar pertence à mesma categoria de odiar, invejar, admirar, e por isso deve ser analisado, como verbo, de modo a abranger o que este sentimento provoca, socialmente na pessoa que ama.

 

Quem passa a amar, se transforma tanto no psicológico como no social. Quem ama vê as coisas de outro modo, torna-se romântico, torna-se bobo, as vezes. Quando se modifica a visão de realidade, a transformação deixa de ser individual e passa a ser também sociológica, pois não sendo autistas, nos relacionamos com pessoas, com a realidade.

 

Quem ama, torna-se por vezes, egocêntrico. Mas como pode ser egocêntrico alguém que ama? Amar não é, de jeito algum, um verbo egoísta. Quem ama, ama alguém ou algo, e egoísta é quem ama a si próprio e às suas idéias, somente. E não é esse o objeto de discussão. Está se analisando quem ama alguém, e como se transforma quem ama alguém.

 

Ninguém sabe amar, pois ninguém sabe o que é amar. O amor só existe, se for perfeito, mas a perfeição só existe com falhas. Parece pertinente analisar uma situação hipotética, pra entendermos o ser humano que ama, e o que lhe é exterior quando se vê com olhos de quem ama.

 

O que seria a felicidade para quem ama?  Não seria a felicidade do outro, por certo. Seria a realização do seu amor, e isso se dá quando se alcança a completude.

Essa situação precisa ser analisada profundamente. O amor, por não ser egoísta, deve ser dividido com quem se ama. Devemos então dividir a completude pela satisfação para alcançarmos a felicidade.

 

 

completude

__________    =   felicidade

 

satisfação

 

 

Deve-se criar dois personagens para facilitar o raciocínio.

 

X e Y

 

X =  CARLILDO

 

Y =  FLORISVALDA

 

Existe um amor forte de Carlildo por Florisvalda, mas Florisvalda nao corresponde.

 

Tudo o que Carlildo espera é sentir completude e satisfação. Nesse caso a satisfação se chama Florisvalda, e a completude se chama namoro. O namoro, dividido pela satisfação, pois ter-se-ia que dividir a satisfação por dois, significaria a felicidade para Carlildo.

 

Portanto se estabelecermos que: Completude= C e satisfação= S, teremos

C/S = F(felicidade)

E temos também: X+Y = R (realização do amor platônico)

 

Se estabelecermos que a realização de um amor platônico significa, pelos menos momentaneamente, a felicidade, chegamos a tal equação:

 

C/S = X+Y

 

Resultado: dividindo-se a completude pela satisfação, a dois, quando se está se relacionando, se alcança o que se chama felicidade. Mas onde a felicidade estaria incluída? Na categoria dos sentimentos egoístas ou dos sentimentos sociais?

Felicidade e alegria, são sentimentos sociais, embora não dependam de outras pessoas para existir, são sentimentos que, ao existirem, contagiam e que se fazem notar de tal forma, que é possível compartilha-los.

 

Mas o que determina o resultado R? Como se comporta alguém após realizar o amor platônico? Ao tornar real o que é platônico, perde-se o sonho, a fantasia. O que aconteceria ao subtrair-se do amor a fantasia? Não parece sequer imaginável que o amor possa existir sem fantasia, sem romantismo, mas nem tudo possível é imaginável. É comum que alguém realizado, após o momento inicial de êxtase, se torne relaxado. É possível que com o amor ocorra a mesma coisa. Ao não se ter pelo que lutar, não se luta mais. Não se sonha e se acostuma com o fato. Fatos ocorrem e ninguém pensa que fatos precisam ser mantidos ou até mesmo direcionados.

São raras as pessoas que entendem que é preciso alimentar o amor, platônico ou não.

 

Porém, ao se considerar as equações, chega-se à conclusão que F = R

A realização do amor platônico se dá com a felicidade, que se dá com a consumação do que se deseja.  Torna-se obvio que a completude se dá ao se multiplicar a felicidade pela satisfação.

 

É necessário analisar a situação utilizando os personagens criados.

 

Carlildo lutou para conquistar Florisvalda, e de alguma forma ele conseguiu. Florisvalda não ama Carlildo, mas aceitou namorar ele, porque se encantou com seu jeito e com a sinceridade de suas declarações. Com a equação resolvida, os dois passam a viver uma situação real. Florisvalda descobre que Carlildo a faz sentir completa e o tempo lhe traz satisfação. Ou seja, a felicidade dos dois gera a completude.

Mas Carlildo não sabe amar, e sente falta do tempo em que sonhava. O amor acaba virando rotina, fica chato. Cria-se uma nova situação: Florisvalda sente amor e Carlildo acha que nao sente mais. Ele ainda a ama, mas não sabe o que é amar.

 

Deixe-se os personagens de lado e analise-se essa situação.

 

Será que amor acaba? Será mesmo que tudo que se diz amor, é amor? O amor não é cego, como dizem. a paixão, sim, é cega e não permite momentos entediados ou rotina.  Mas o amor é humano demais para viver em chamas o tempo todo. O amor é ser, e não estar, e quem ama enxerga muito bem os defeitos de quem ama. Aceita-os ou tenta conserta-los, mas nunca condiciona o fato de manter o amor a esses defeitos. Se tentar não conseguirá.

O amor nao acaba. Se acabar, não era amor.

 

“E hoje em dia, como é que se diz eu te amo?”

(Renato Russo)

 

Existe, atualmente, uma modalidade de relacionamento muito interessante, chamada " amizade colorida".  Interessante e honesta, pois nao se condena a cobranças, desgastes e rotina. Não é preciso amar para se relacionar com alguém. Se fosse, seria quase impossível descobrir o amor, pois só o tempo o descobre. Na música Língua, uma ode à língua portuguesa composta por Caetano Veloso, diz-se: "Eu sei que a poesia está para a prosa assim como o amor está para a amizade, e quem há de negar que esta lhe é superior?"

 

Surge uma pergunta: para que tentar transformar amizade em amor, se são coisas diferentes, e se parece realmente impossível negar que a amizade é superior ao amor? Amizade e amor podem existir em concomitância, mas sozinhos, parece óbvio que somente a amizade sobreviveria. Dá pra imaginar um amor sem amizade? O termo "amizade colorida", nao se propôe a unir amizade e amor, mas é fascinante  porque também não se propôe a exigir amor para sentir-se bem com outra pessoa, e sentir prazer com ela. E melhor ainda, a amizade continua.

 

Imagine-se mais dois personagens:  Lucas Moura e Roberta Margarida, amigos de infância e hoje colegas de trabalho. Quando crianças, existia uma coisa legal, chamada inocência, mas a evolução natural do ser humano exige a extinção dessa "coisa". O fato é que tanto Roberta como Lucas cresceram, simpaticos, bonitos, inteligentes. E  ambos passaram a olhar o outro sem inocência, e passaram a se querer. Mas não se amam, e são amigos, e

existe o risco de estragar a amizade, e existe isso, aquilo, mil coisas axiomáticas que impedem a simples realização do desejo mútuo. A situação seria resolvida se Lucas e Roberta recorressem à  "amizade colorida" . Manter-se-ia a amizade, satisfaria-se o tesão, não haveria compromisso, e quem sabe eles passariam a se amar futuramente.

 

Entretanto, amizade  colorida não é sinônimo de ficar, e se eventualmente for,  é sinônimo  imperfeito, pois amizade não  é requisito para ficar com alguém. Faz-se necessário explicar o que é ficar, mas ficar é tão difícil de definir que parece oportuno recorrer a um dicionário.

Tirado do Aurélio:

16.       Bras. Pop. Namorar sem compromisso, durante um curto espaço de tempo (às vezes, por uma noite)

 

Não parece correto usar  o termo namorar, mas tirando isso, a definição  parece perfeita. E são  essas as modalidades  de relacionamento  mais utilizadas nos dias de hoje:  Ficar e amizade colorida. O amor é tão raro, tão complicado por ser  tão simples. Para que exigir de um relacionamento amor?

 

E hoje em dia, como é que se diz eu te amo?

Será que precisa dizer eu te amo?

 

"Como os homens possuem o dom de aperfeiçoar tudo o que a natureza lhes

deu, também aperfeiçoaram o amor. O asseio, os cuidados com o nosso

corpo, tornando a pele mais delicada, aumentam o prazer do tato, e

a vigilância da saúde torna os órgãos da voluptuosidade mais sensíveis

ainda.

Todo os outros sentimentos penetram a seguir no de amor, tal como os

metais se amalgamam com o ouro: a amizade, a estima vêm em seu auxílio;

os talentos do corpo e do espírito forjam novas e ternas cadeias."

(Voltaire)

 

Fica cada vez mais evidente que o amor é perfeito. É um sentimento que depende de outros sentimentos, que gera outros sentimentos. O amor depende de uma única regra para existir: ele não acaba. Amor é eterno, como o de Dante por Beatriz, dos 9 anos de idade até o fim da vida, sem nunca terem consumado e tendo ela morrido aos 24 anos.

 

Muito se confunde amor e paixão, ou paixão e desejo. Espertos são os que dispensam comparações, que apenas curtem o que desejam, sem procurar amor onde não tem. O amor é raro e lindo, mas esperar por ele, e querer que ele exista a qualquer custo não é uma boa opção. Feliz é Florisvalda, que não esperou por ele, mas o recebeu de presente, não o quis, mas teve que aceitá-lo. Tristes são Lucas Moura e Roberta Margarida, que colocaram barreiras na realização dos seus desejos, confundindo amor, amizade e tesão.

 

Não é possível definir amor. Pode-se analisá-lo, discorrer sobre ele, mas nunca defini-lo, nunca enclausurá-lo em quatro paredes verbais e limitá-lo.

Amar é simplesmente amar.

 

Gutch Costa*

* Gutch é licenciado em Ciências Sociais, mas escreveu este texto muito, mas muito tempo antes de pensar em ser alguma coisa.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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